Há situações,
obras e acontecimentos, que marcam as sociedades e simultaneamente prevalecem
essas referências por muitos e longos anos, independentemente do contexto
temporal ou político que os provocaram.
Neste
contexto, insere-se sem dúvida a Barragem de Santa Clara (Ex Barragem Marcelo
Caetano); magnífico espelho de água, esse bem tão essencial e cada vez mais
escasso, fazendo com que esta para além da beleza que exala no meio de uma
paisagem soberba, seja igualmente uma reserva estratégica de água de extrema
importância nos tempos que correm.
A Barragem de
Santa Clara é um enorme espelho de água (na altura da construção era uma das
maiores do país), estando situada na Bacia Hidrográfica do Mira, e integrada no
Aproveitamento Hidroagrícola do Mira, cuja gestão está a cargo da Associação de
Beneficiários do Mira. A sua inauguração ocorreu no dia 11 de Maio de 1969, na
qual estiveram presentes as mais altas individualidades nacionais e regionais,
para além duma enorme massa de povo anónimo, proveniente dos mais diversos
locais.
A Barragem de
Santa Clara beneficia uma área de rega de milhares de hectares concelhos de Odemira
e Aljezur; estando dotada de uma rede de rega primária, uma rede secundária e de redes de enxugo, com uma extensão de
centenas de kilómetros.
São sem
dúvida, números que falam por si, sendo duma importância extrema tanto para a
região e para o país em si, e, que vão muito além da reserva estratégica de
água que representam.
Numa região
pobre como é esta do interior do concelho de Odemira; assolada pela
desertificação e escassez de recursos, é uma riqueza, que me atrevo a dizer que
será a maior na região.
Considero a Barragem de Santa Clara como sendo
a obra mais estruturante, realizada até hoje no concelho de Odemira, apesar da
mesma ter sido construída nos tempos do “antigo regime” do Estado Novo,
integrada no Plano de Rega do Alentejo.
Quando nos
dias de hoje, apenas se dá valor ao que foi feito após o 25 de Abril de 1974,
canso-me de olhar à minha volta e tento vislumbrar grandes obras e
infraestruturas realizadas na região e não as vejo.
- Estarei cego?
- Não estou,
não! Afinal as grandes obras por aqui chegaram por antecipação, creio eu, ou
talvez não.
A Barragem de
Santa Clara, tal como todas as grandes obras, teve os prós e os contras de
todas as outras do seu género, que se fizeram e se fazem no presente, como é o
exemplo da Barragem do Alqueva (o primeiro projecto data precisamente dos
tempos do Estado Novo). Se no Alqueva, foi necessário inundar a Aldeia da Luz e
transferir os seus habitantes, em Santa Clara, aconteceu precisamente a mesma
situação com as centenas de habitantes que residiam em “montes” dispersos pela
zona alagada, com a diferença que em vez de irem para uma aldeia nova, acabaram
por se instalar em aldeias e vilas das redondezas (Ourique, Santana da Serra,
Santa Clara, Sabóia, etc).
Se em Alqueva
se desenvolveram novos negócios (restaurantes, lojas, residenciais, etc),
durante o período de construção, com a vinda de trabalhadores de outras
regiões, em Santa Clara o cenário repetiu-se e não será por acaso que Santa
Clara-a-Velha, foi das primeiras localidades da região a ter uma estação de
correios e um sem número de casas de pasto, lojas e “vendas” (tabernas).
São isto,
exemplos dum passado relativamente distante, que no fundo preparou o futuro,
assente em algo tão simples (parece), que foi a construção de uma barragem que
viria anos mais tarde a ser uma fonte de desenvolvimento para uma região. Todo
esse desenvolvimento tem um preço, que uma minoria tem que pagar em prol de uma
maioria e essa maioria acabam por ser todos aqueles que de forma mais ou menos
directa usufruem das águas desta albufeira.
Arrisco-me a
afirmar, que a maior fonte de emprego no concelho de Odemira, provém
precisamente da gestão e do aproveitamento da água que daqui resulta de forma
mais ou menos directa.
Para além da
rega, esse bem tão precioso que é a água, serve ainda para fazer o
abastecimento público da maioria das populações do concelho de Odemira e ainda
o abastecimento para fins industriais para as minas de Neves Corvo (as maiores
minas de cobre da Europa), situadas no concelho de Almodôvar e pertença da
empresa Somincor.
Apesar de
anos de seca que ocorreram num passado recente, a nossa dita albufeira, nunca
atingiu um nível de falta de água crítico, mantendo-se firme como reserva
estratégica de água.
É igualmente importante referir o
aproveitamento desta albufeira para fins turísticos, onde a parte mais visível
é a sua pousada (integrada nas Pousadas de Portugal), bem como em termos
lúdicos a parte mais visível são as provas de pesca ao achigã (embarcada).
Na minha
opinião pessoal, julgo que existe um fraco aproveitamento das reais capacidades
em termos turísticos que esta albufeira detém, talvez as coisas mudem nos
próximos anos, pois a região bem o merece.
Porque o interesse nacional e regional (e não só) está
acima de tudo, gostaria de deixar duas perguntas, que não são mais que um
convite à reflexão.
- Alguma auto-estrada traria mais benefícios ao
concelho de Odemira, do que aqueles que esta Barragem trouxe?
- Quando as obras são estruturantes, interessará as
ideias políticas de quem as fez, ou o valor que elas representam em termos de
mais-valias para o país?
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